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No ano de 1995, Amarino Chaves fundou o jornal Alternativo. Durante sua existência em circulação, o impresso causou polêmicas pelo modo sincero e direto de abordar determinados assuntos. Em 2002, o proprietário sofreu um infarto, atribuído ao estresse no trabalho. Chaves seguiu com o jornal até que os problemas cardíacos voltaram e, em 2009 – ano em que sofreu seu segundo infarto –, decidiu definitivamente abandonar a carreira de jornalista. Numa quarta-feira à tarde, fui até sua casa para marcar uma entrevista. Chaves me recebeu para contar essa história. Conversamos durante duas horas.

Amarino Chaves

Início na comunicação

"Desde os 16 anos, eu acho que tinha uma vocação para fazer comunicação social. Nesta época eu escutava muito a Rádio Guaíba. Sempre gostei do estilo de rádio que eles faziam: não tinha nada gravado, nada de musical. Esses jingles que agora são todos prontos, eles tinham estilo de caixinha, quero dizer que eles pegavam e liam na hora.

Comecei trabalhando em uma rádio na minha cidade de São Francisco de Assis, antes mesmo de entrar para o Exército, por volta de 1961. Depois, no quartel, como já tinha certa noção, fui trabalhar de rádio-operador. Mas não quis continuar, porque eu gostava mesmo era de comunicação. Então quando saí do quartel voltei para a rádio.

Em 1964, eu ainda estava estudando, fazendo o primeiro ano científico em São Francisco. Por intermédio de uma freira, que realizava um movimento católico, o JOC (Juventude Operária Católica) eu fui para a Rádio São Miguel, de Uruguaiana, no ano de 1965. Cheguei lá e fui até a rádio me apresentar. Puseram-me em um estúdio onde realizei um teste. Naquela época eu era jovem, tinha o cabelo grande, comprido, e os homens tinham medo de mim, porque o pessoal de São Chico tinha uma má fama, ainda mais os cabeludos. 

Passei no teste e no outro dia comecei a trabalhar. Em 1969 surgiu uma lei, autorizando a pessoa que trabalhasse com radiojornalismo a fazer o registro no Ministério do Trabalho como jornalista. Então, eu encaminhei os documentos e fiquei registrado como jornalista profissional. Fiquei do ano de 1965 a 1979, em Uruguaiana, na Rádio São Miguel".

Mudança para São Borja

 

"Em 1979 começaram alguns problemas no meu casamento. A minha esposa era muito ciumenta, porque eu trabalhava em rádio, e naquela época um homem que trabalhava em rádio tinha muitas fãs, e ela sentia muito ciúmes.

Então nos mudamos para São Borja, para tentarmos salvar o relacionamento. Comecei a trabalhar aqui na Rádio Cultura e fiquei um ano bem. Depois começou a complicar novamente, e acabamos nos divorciando. Ela voltou para Uruguaiana com as crianças (um casal) e eu fiquei. Depois acabei conhecendo minha atual esposa, Sibele, há 35 anos, que era minha colega de trabalho. Com ela tenho mais um casal de filhos, são um total de quatro, entre os dois casamentos.

Também trabalhei como assessor de imprensa do Mário Roque Weis, que era o prefeito da cidade. Quando comecei como assessor dele eu ainda estava na rádio. Por causa disso, começaram as brigas, principalmente em relação a partidos políticos. A rádio defendia um partido e eu era ligado ao partido do prefeito. Então, eles começaram a me pressionar quanto ao horário que eu chegava lá, pois trabalhava na prefeitura até às 13h. Na Rádio começaram a trocar os meus horários, para o mesmo em que eu estava na prefeitura, mas eu me virava, lutei pra não pedir demissão. Tanto foi que eles me mandaram pra rua, em 1989".

 

Ida Para Itaqui

“Em 1990 eu fui para Itaqui, vieram aqui me buscar para montar uma Rádio, porque na época lá só existia uma emissora, a Pitangueira FM. Aí eu montei uma de transmissão AM, com equipe e tudo. Fiquei até 1994. Então, acabei me enfiando novamente em assessoria de comunicação. Dessa vez, do presidente da câmara de vereadores. Mas isso foi um jogo. Eu fui para a câmara como chefe de gabinete, assessor de imprensa direto do presidente, mas para fazer a campanha política do candidato a prefeito. Mas emprego político dura praticamente apenas um ano, se o partido que está no comando se mantém, aí o emprego também se mantém. Mas naquele ano a presidência mudou, e eu fui deixado de lado.”

Retorno para São Borja

“Em seguida, surgiu a oportunidade de vir para essa casa aqui em São Borja, que era do meu sogro. A minha esposa já alugava uma peça aqui na cidade, em que ela dava aulas de piano no início da semana, e nas quintas-feiras ela viajava a Itaqui. Brotada tal oportunidade, pensei: se trabalhava com rádio em uma cidade, poderia voltar a fazer na outra, e assim a Sibele não precisaria mais ficar naquele vai e vem. Então, voltei.”

A motivação para abrir um jornal

"Chegando novamente em São Borja, voltei à Rádio e falei com o chefe lá, expliquei que estava voltando e perguntei se conseguiria uma nova vaga. Ele assegurou que sim, essa tal vaga eu estou esperando até hoje (risos).

Era ano de 1995. Como fiquei sem emprego, eis que pensei: “vou trabalhar pra mim mesmo”. Eu já havia tido uma experiência em impresso no jornal Nossa Época, de Itaqui. Convidei o Wolmer Jardim, que já era bem mais experiente, para montarmos uma pequena equipe. Criamos o Alternativo, para que realmente fosse uma alternativa a mais. Eu pensava que deveria existir um jornal diferente daqueles que circulavam na época, principalmente em termos de divulgação e abordagens de notícias".

Estrutura do Jornal

"Não tinha muitos funcionários. Éramos eu, o editor, o redator, o diagramador, a moça que fazia as vendas e mais um. Saía muito caro manter uma equipe grande e mais as impressões. Algumas eram em cores, mas a maioria em preto e branco (PB). As impressões eram feitas em uma gráfica de Ijuí, depois em uma de Cachoeira do Sul.

As edições circulavam às sextas-feiras. Tinham vendas avulsas e assinaturas. Assinantes eram em média de duas mil. Começamos bem humildes, mas o retorno do público era enorme. Cada jornal custava R$1,00, depois foi para R$1,50. A primeira sede foi aqui em casa, numa salinha nos fundos. Por último foi na Rua General Osório, acima do Marco Relojoeiro.

Houve uma época em que eu mesmo tinha que diagramar o jornal, sem nunca ter feito isso antes. Não lembro o que aconteceu com o rapaz que fazia isso pra mim. Chegamos a publicar 500 edições nesse tempo de existência."

Aprendendo com erro

"Uma vez, cometi um erro bárbaro. Um homem morreu enforcado em frente ao Sindicato Rural, que era onde hoje é a Uergs, e ficou pendurado lá. E o fotógrafo do jornal foi lá e tirou uma foto e nós publicamos. Foi uma bomba. Uma verdadeira falta de ética nossa. Como que a gente vai colocar uma coisa dessas, não é?! Não pensamos na família, foi sem nos darmos conta mesmo. Mas são esses fatos que nos fazem aprender a não cometer os mesmos erros."

Fogo nos jornais

"Tive enfrentamento na Praça XV de Novembro: Numa das edições, o prefeito estava em campanha, e os meninos que trabalhavam pra mim estavam vendendo jornais na praça, era uma edição de grande tiragem. E eles (a equipe do prefeito) queriam colocar fogo nos jornais, por causa de uma pesquisa que fizemos e publicamos. Eu estava em Santo Ângelo e tive de vir escoltado pra cá, porque os caras do partido do prefeito queriam nos atacar, até na estrada. Aí eu cheguei, ainda era madrugada, e distribuí todos os jornais, vendi alguns e distribuí os outros. Até o prefeito estava lá na praça, querendo pegar os jornais para tacar fogo. Fui até eles e falei que se quisessem colocar fogo poderiam, desde que me comprassem os jornais antes. Falei mais algumas coisas pra eles e eles foram embora."

A ideologia de jornal independente

"O Alternativo era um jornal apartidário, cuja linha editorial sempre foi crítica e investigativa. O chamado era: Alternativo, um jornal com personalidade.

Nós fazíamos o jornalismo como tinha que ser, não omitíamos nada. Foi assim durante os 14 anos. Eu penso que o jornalismo tem que ser assim, ou se sabe o que está falando ou fica quieto, para não falar besteira.

Nós tínhamos uma concorrência com o jornal que era ligado ao partido da prefeitura, eram patrocinados pelo governo municipal. A questão política é complicada, os caras não entendem. Por causa de uma notícia publicada, o prefeito da época tentou me derrubar, o jornal no caso.

Mas eu tinha muitos apoiadores, nos mantemos em pé por mais um tempo. O Jucão (José Pereira Alvarez, ex-prefeito municipal, morto em 2007) me dava muita força na época. Depois que o prefeito começou a me azucrinar, nós começamos a meter (risos).

Causamos muito impacto na sociedade, com textos destemidos e polêmicos. Nas chamadas de capa dá pra ver alguma coisa, que era diferente, as manchetes eram bem fortes.

Foram quatorze anos de luta, de vontade de vencer e sempre levando com a barriga, até que acabamos parando, infelizmente a saúde tem data né?! Aprendi muita coisa, e hoje eu sinto saudades disso. Nós nos sacrificamos bastante, mas valeu a pena."

 

Sobre os infartos

"O principal motivo do fechamento do jornal foi a cirurgia de safena. Depois disso eu acabei ficando impedido de sair.

Eu nunca havia pensado em parar, nem mesmo quando o retorno esteve fraco. Mas eu tive uma pressão muito grande de uma das minhas filhas, ela sentiu que eu estava adoecendo. Eu até tenho uma carta dela, que ela me escreveu, falando que percebia que eu estava muito abatido. Mas eu não queria me entregar, não queria parar.

Eu já havia tido um infarto em 2002. Mas, foi em 2009 que meu coração explodiu. Fui quase morto a Porto Alegre, então tive que fazer a cirurgia. Depois, me recuperando da cirurgia, eu ganhei um gás. Mas aí a minha esposa que não me deixou mais. Acabei parando, mas sinto muita saudade."


 

Sobre a possibilidade de O Alternativo voltar

"Muita gente me pergunta quando o jornal vai voltar. A essas pessoas, eu respondo sempre “ah, vou pensar, vamos pensar, de repente volta”. Mas agora acabou morrendo o Wolmer, que era meu editor, acabei perdendo a minha vendedora que era muito boa, aí complica.

Meus amigos da turma do bar que me perguntam por que eu não volto, porque eles sentem falta do jornal. Já quiseram me propor parcerias, mas eu não quis, quase nunca dão certo essas parcerias.

Eu tenho muita vontade. O retorno financeiro era bom. Agora eu me aposentei apenas com um salário mínimo, pois não tive o tempo suficiente de contribuição, uma época eu parei de recolher o INSS. Aí acabei optando por isso. Na época em que eu tinha o jornal, nunca passei um final de semana sem poder sair por falta de dinheiro, diferente da atual realidade.

Se eu voltasse, com certeza não mudaria nada. Continuaria na mesma linha de pensamento. Porque a gente tem que ‘matar a cobra e mostrar o porrete’.

Mas se porventura me derem um bom dinheiro, para que eu possa quitar as pendências que podem ter do jornal, porque ele, na verdade, não está fechado. Só parou de circular. Aí eu volto com ele, rapidinho. Quem sabe até com alguém da Unipampa, pra trabalhar pra mim, ou realizar um estágio. Então, acho que o dia em que eu pensar em voltar, eu voltarei. Mas com muito cuidado para ninguém sair da linha comigo".

O que pensa para o futuro

"Agora eu sou um pequeno produtor. Tenho uma hortinha nos fundos de casa, com várias coisas plantadas. Estou aposentado e minha esposa segue dando aulas de música. O que eu mais tenho a fazer é cuidar das minhas plantações. Ela já tentou me ensinar a tocar piano, mas ainda não consegui aprender.

A ideia por enquanto é essa: seguir semeando as plantações, da

atual vida de aposentado e pequeno agricultor. Ainda quero plantar

mais algumas coisas aqui, ir aumentando aos pouquinhos, sem pressa,

apenas por lazer. Às vezes, também vou à rádio de um amigo e participo de

alguns programas".

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